segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

[leituras] em tempos havia os bois




Título: em tempos havia os bois (Magazine do Fantástico e Ficção Científica #3)

Autor: Charles W. Runyon, Barry N. Malzberg, Robert Thurston, Shinichi Hoshi, M. Mendelsohn, Charles V. de Vet, Robert F. Young, Bill Pronzini, David Reed, Isaac Asimov
Páginas: 157
Ano: 1971

Eu gosto de alfarrabistas, têm livros que geralmente não se encontram em lado nenhum e parece que ficam ali, à espera que eu os descubra e fique contente. Nos últimos tempos há um concorrente para os alfarrabistas, muito menos interessante devo referir mas que também tem as suas vantagens. As lojas de coisas em segunda mão que andam por aí espalhadas em todo o lado. E embora não sejam grande coisa na parte literária a verdade é que quem põe preços àquilo também não sabe o que é aquilo e encontra-se lá com cada livro baratinho. 

Este em específico custou-me uma fortuna, tive de poupar durante um bocado mas consegui: 50 cêntimos. Não é um livrinho grande, já está meio velhote e aqueles animais colam as etiquetas onde lhes apetece sem olhar ao que quer que seja mas sim, 50 cêntimos. Eu fiquei contentíssima, gosto imenso de apanhar livros deste estilo e este foi uma óptima experiência.

 Assim de rajada conhecia Asimov e mais nada. Muitos autores desconhecidos mas que alguns conseguiram juntar-se à minha lista de "to search more". Ainda são 10 contos, e são eles:

Em tempos havia os bois: Para começar esta antologia temos um mundo onde povos andam a invadir outros. Ainda pensei se seriam os tugas do próximo século mas acho que apenas nos seguem as pisadas que até nós já esquecemos que demos em tempos. Mas aqui as coisas são drásticas e claramente off the record: é suposto termos um intérprete para tentarmos comunicar com os nativos, claro que sim mas pelo sim e pelo não eles que nos sirvam... ou morrem. Mas desta vez dois membros da equipa acabam por ver primeiro como é realmente este povo e a verdade é que têm um segredo bem enterrado e que precisa de ser descoberto. É provavelmente o maior conto do livro, é interessante e cativa mas onsegue tornar-se um pouco confuso quando as coisas começam a acontecer. De qualquer das formas é uma boa leitura, com uma escrita que se lê muito bem. 

Dois mil e sessenta e um: Este é daqueles contos que chegamos ao fim e pensamos: "Whaaaaat?". Lemos uma coisa durante o conto inteiro e no fim há um plot twist qualquer que nos muda a história toda. Acompanhamos alguém que sofre de esquizofrenia induzida, começa a alucinar e o que vemos é o seu encontro com o técnico responsável, que o tenta acalmar e moldar ao mesmo tempo. Até trocarem de lugar. Aqui acho que a revelação final podia ter tido mais umas linhas, ficou muito crua. Deixa uma pessoa de queixo mental caído mas lentamente porque ainda estamos a assimilar as últimas revelações. Gosto de contos assim, e este tem uma história por trás interessante o que é só bom.  

Debaixo do cerco: Quanto a este tenho sentimentos contraditórios. Se por um lado gostei da escrita, gostei da dinâmica do conto não gostei da história. Um casal é comporto por um homem branco e uma mulher preta numa sociedade onde essas coisas são desprezadas e quase proibidas. Acontece que as vidas deste casal nunca estavam seguras e prova é que a mulher é violada por alguém "da sua raça" como deveria ser. E isso quebra o marido, jornalista, que acaba por escrever um artigo sobre o que se passou. Resultado disso é ver o homem que violou a mulher na sua casa, sem acção perigosa, agressiva, nada. Existia, fazia as coisas de casa, impôs a sua presença em silêncio. Apenas falava com a mulher e dessas conversas, proibidas a um branco, nasce qualquer coisa de estranho, uma empatia? Um reconhecimento? Não sei bem, o certo é que a vida deste casal é invadida, destruída por uma situação que nem faz sentido. Aqui o que não jogou para mim foi o desenvolvimento de partes da história. A escrita é muito boa, gostei de como nos leva a envolver na história, transmite realmente os sentimentos vividos não se limitando a descrever mas as reacções principalmente da mulher parecem-me demasiado avessas à minha pessoa para conseguir criar um laço amigável com o conto, ou pelo menos com ela. Mas verdade seja dita que gostei, e gostei bastante porque a história está realmente boa. A mim é que me faz comichões.

Ei... II, sai cá pr'a fo... ora!: Este foi outro que gostei imenso. Fez-me lembrar uma curta que vi nos ABC's of Death, chamado C is for Cycle cuja ideia era a mesma: acabar no início. É tudo sobre um buraco, infinito, ninguém lhe consegue ver qualquer tipo de fim e claro que alguém rapidamente se lembra: isto é o ideal para despejar todo o lixo que nos anda a estragar o planeta. Ate podia parecer uma boa ideia, mas será? É uma reviravolta estranha mas não é por isso que se torna pior. 

Pequeno Goethe: Este conto lembrou-me alguém. Temos um rapaz, se é que se lhe pode chamar assim, que embora tenho corpo disso é eterno. Não envelhece nem morre, existe na sua forma de criança pequena com o seu cérebro bem formado e culto. De forma a ir sendo sustentado vai sendo "adoptado" - e até "nasce" num dos casos - por vários casais que mais cedo ou mais tarde acabam por se aperceber de que há qualquer coisa de errado com este moço. Gostei em particular de uma das diversões dele: agarrar num texto e traduzi-lo para uma língua, daí para outra e assim sucessivamente até acabar as línguas que conhece retraduzindo para a versão original. A não bater palavra por palavra retomava desde o início. Sei de alguém que gostaria de fazer isto e passou-me logo na ideia mas é uma coisa tão engraçada de se fazer. O ponto forte neste caso é a história, não é um Benjamin Button, nem nada que se pareça embora o principio de idades seja igualmente estranho.

Segunda Hipótese: Mais uma vez os humanos a tentar arrasar tudo e todos na sua exploração louca. Todos os povos têm de ser seus vassalos dê lá por onde der. Neste caso um povo das montanhas que se julgava extinto, há muitos anos travaram uma imensa batalha da qual, supostamente, apenas os humanos teriam sobrevivido. Mas imagens e relatos recentes demonstravam o contrario, ainda havia resquícios dessa população escondidos no meio das montanhas. Por algum género de remorsos os humanos acharam por bem entrar em contacto, pedir desculpa, devolver parte do que tinham tirado à força e para isso enviam um representante. Este vai descobrindo várias coisas sobre aquelas pessoas e uma das coisas mais interessante é a sua capacidade telepática que de algum forma consegue manipular animais, ou seja, os animais que matavam para alimentação nunca traziam marcas de armas. É engraçado de ver que realmente não sabemos o que nos espera quando encontramos novos tipos de vida. Quais as suas capacidades? Sabemos lá até que ponto têm características diferentes das nossas e talvez mereciam um pouco mais de cuidado. No fim somos avisados para ficar longe, talvez sobrevivamos. Eu cá não sei mas tenho para mim que a ouvir uma coisa daquelas depois da demonstração de capacidades mudava de planeta.

Projecto grande ascensão: Este conto não me disse grande coisa, achei-o confuso, meio disperso, achei uma tentativa de juntar muitas coisas de maneiras diferentes para as diferenciar mas não acho que tenha corrido bem. Entre construções misturadas com deuses ou uns seres superiores semelhantes uma pessoa perde-se. É outro que gostava de ver estendido, parece que assim cai tudo muito em aberto e não cria grande nexo. As coisas com mais pontes e mais um pouquinho de conteúdo já nos inseriam num mundo diferente e possivelmente mais interessante.

Gato: Este é um conto muito muito bom. Eu gostei imenso e é uma coisa tão simples. Alguém que acaba de ler um conto sobre alguém com fobia a gatos. E o que é que está à frente dele assim que pousa o livro? Um gato! De onde veio o gato? Se ele fosse a personagem do livro estaria cheio de medo. Mas o que é que aquele gato está ali a fazer? E como? E porquê? É melhor chamar alguém para levar o gato. Mas onde é que está o gato agora? Deve ter ido embora. Afinal está no escritório. Que gato mais estranho. Porque é que está aqui este gato? Gato! Gato! Gato! É muito psicológico, é muito curioso, do estilo de história que explora uma situação simples pela parte psicológica mas simples e que se torna tão engraçado e cativante. 

Amanhã: Este aqui é estranho e interessante. Mais uma espécie de análise ao comportamento humano perante uma situação de perigo, de ameaça, de desconhecido que acaba por ser muito curiosa. Desta vez cria-se um campo à volta de uma casa onde há uma festa. Nada atravessará esse campo e ele começará a subir a apanhar todo o conteúdo, incluindo os convidados. Por isso a única solução é aproveitar os últimos momentos que têm já que uma vez começado não há nada que pare o desfecho. Não dão muita importância à reacção das pessoas e temos apenas um ou outro apontamento sobre isso no meio das personagens que acompanhamos. Tive pena porque o engraçado seria realmente ver as loucuras que se fariam nesses momentos e embora exista essa parte é uma amostra pequena. De qualquer das formas é mais uma ideia bem pensada e bem escrita que deixa uma pessoa a pensar se deve ir a festas ou não.

Ciência - tão fácil como dois mais três: Aqui é um pequeno desabafo sobre ciência. Sobre as dificuldades do avanço científico, sobre a evolução do que tem sido a ciência e de como é que tudo apareceu. O porquê e o como. Um bocadinho que me interessou bastante pelo carácter mais científico da coisa, pelas mãos do senhor Asimov. Para acabar não poderia ser melhor!



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